O último canto dos canários

Uma sala de troféus recheada, torcedores fanáticos que lotam um estádio icônico, jogadores especiais formados na própria academia e uma camisa pesada. O Nantes é um dos clubes franceses que pode, sim, bater no peito e falar que é grande. Somando todas as conquistas de 1ª divisão, são 14 títulos nos mais de 70 anos de atuação profissional.

Entre todos as conquistas estão oito do Campeonato Francês. Jogadores históricos como Henri Michel, Patrice Rio, Thomas Touré e Claude Makélélé foram apenas alguns dos que ergueram a taça pelo clube. O último título veio em 2000/2001 com um time talvez até mais modesto e sem tantas pretensões como outros, mas que foi capaz de competir e levar o troféu para La Beaujoire ao término das 34 rodadas.

Relembre aquele time em mais um quadro “Times Históricos”:

Tempos sombrios

O Nantes encantou a França na temporada 1994/1995. O histórico time de Christian Karembeu, Claude Makélélé, Nicolas Ouédec e Patrice Loko teve campanha histórica no título nacional: venceu 21 partidas, empatou 16 e perdeu somente uma. Jean-Claude Suaudeau, o técnico, gravou de vez o seu nome na história. Jogou a carreira inteira no Nantes e, como treinador, levou o clube a dois títulos nacionais.

Foto: Arnaud Duret/FC Nantes

Só que aqueles dias felizes de bom futebol e resultados positivos demoraram a voltar. Logo na temporada seguinte, Karembeu seguiu para a Sampdoria e Loko reforçou o PSG. Um prejuízo imenso e irreparável, que ficou marcado por um modesto 7º lugar.

Suaudeau também não foi eterno. Chegou a emendar 30 jogos invicto na temporada 1996/1997, terminando em 3º no Francês, mas deixou o clube em desacordo com a direção. Foi aí que abriu espaço para outro personagem importante dessa história: Raynald Denoueix.

Outra cria da casa

Denoueix fez história como jogador e ampliou isso como treinador
(Foto: Divulgação)

Raynald Denoueix, assim como Suaudeau, era patrimônio histórico do Nantes. Defensor, jogou por 13 anos no clube e ganhou o Campeonato Francês duas vezes. Após pendurar as chuteiras, se tornou diretor do centro de formação do clube. Sob sua tutela passaram jogadores lendários como Didier Deschamps, Marcel Desailly, Christian Karembeu e Claude Makélélé.

Com a repentina saída de Suaudeau, assumiu o time principal em 1997. Teve começo discreto, com um 11º lugar em 1998, além do 7º e o 12º nos dois anos seguintes. O alento foram as duas taças da Copa da França conquistadas em 1999 e 2000. Foi apenas um aquecimento para a grande temporada 2000/01.

Para este desafio, Denoueix recebeu reforços importantes. O principal deles foi o romeno Viorel Moldovan. Adquirido junto ao Fenerbahçe, da Turquia, por 5,5 milhões de euros, valor recorde para a época, o atacante chegou aos Canários como a grande esperança de gols ao time que já tinha nomes como Éric Carrière e Frédéric Da Rocha.

Cartão de visitas

O início não foi legal. Não bastasse ter perdido o Troféu dos Campeões para o Monaco, nos pênaltis, a estreia no Campeonato Francês foi a pior possível. Jogando em casa para mais de 31 mil pessoas, o Nantes começou perdendo para o Lens por 2 a 0. A resposta precisaria ser dada na 2ª rodada, no reencontro diante do Monaco, no estádio Louis II.

Os monegascos treinados por Claude Puel e atuais campeões franceses possuíam um time forte. Do goleiro Stéphane Porato à dupla de ataque formada por Marco Simone e Shabani Nonda, era sabida a força do Monaco. Só que esse poderio do time da casa foi totalmente eliminado em menos de meia hora pelo Nantes, que deu, naquela tarde, as primeiras amostras de onde iria chegar.

Depois de largar atrás aos 4 minutos, gol de Nonda, os Canários marcaram quatro vezes entre os 9 e 31. Monterrubio fez dois, enquanto Da Rocha e Ziani anotaram um cada. Dos quatro gols que fizeram o Louis II ser tomado por vaias, o segundo foi o mais bonito. Da Rocha ganhou no corpo de Rafa Márquez, venceu a disputa de bola, deu duas fintas para ganhar do novo marcador e acertou um lindo chute colocado de pé direito. Na etapa final, o Monaco tentou reagir e até descontou com Bonnal, mas Salomon Olembé fechou a conta em 5 a 2 a menos de dez minutos do fim.

A vitória sobre os monegascos foi a primeira de três consecutivas. Na sequência da caminhada, o Nantes bateu o Guingamp pela contagem mínima e o Olympique de Marseille em um jogo histórico em La Beaujoire. Duas vezes atrás no marcador, os Canários buscaram o triunfo por 3 a 2 com um gol nos acréscimos do estreante Moldovan. 

Instabilidade que gerou incerteza

Depois da empolgante vitória sobre o Marseille, os comandados de Raynald Denoueix viveram uma grave instabilidade. Foram seis jogos sem vencer pelo Campeonato, com três derrotas e três empates. Entre os reveses, um em casa diante de Bordeaux por 5 a 0. Ao término dessa sequência negativa, que ainda teve empates diante de Toulouse, Auxerre e Lille, além de derrotas para Lyon e Paris Saint-Germain, o Nantes era apenas o 15º colocado.

Com 12 pontos, a distância para o líder, o surpreendente Bastia, era de sete, com muita coisa a ser corrigida. O estádio de La Beaujoire, antiga força, dava ao Nantes a pior campanha entre os mandantes, com apenas uma vitória em cinco jogos nas dez rodadas iniciais. Para melhorar, o caminho era ajeitar a defesa, que havia sido vazada 17 vezes. 

A grande arrancada

Depois do empate sem gols com o Lille, o Nantes ameaçou uma primeira arrancada com duas vitórias consecutivas. Veio uma goleada em casa por 5 a 0 em cima do Strasbourg e um triunfo como visitante por 2 a 0 no derby regional contra o Rennes. O ímpeto foi quebrado na 13ª rodada com uma derrota por 2 a 0 para o Sedan.

O revés, que deixou os Canários na 10ª colocação, seis pontos atrás do líder do PSG, foi apenas uma breve pausa antes de uma incrível arrancada que alçaria o time de Denoueix para o topo da tabela. Entre a 14ª e a 19ª rodada, o Nantes venceu os cinco jogos que fez e igualou os 33 pontos do líder Sedan.

Sob o embalo dos inspirados Carrière e Ziani, vieram vitórias sobre Metz (2 a 0), Troyes (4 a 0), Saint-Étienne (2 a 0), Monaco (3 a 1) e Guingamp (2 a 1). Já Moldovan, que havia feito apenas três gols nas primeiras 14 rodadas, deslanchou. No período vitorioso que alavancou a campanha do Nantes, o romeno marcou quatro vezes e passou a se tornar peça fundamental do time.

Rumo à taça

Mesmo igualando em pontos com o líder Sedan, os Canários terminaram o ano 2000 com alguma irregularidade. Depois do 2 a 1 sobre o Guingamp, o Nantes perdeu para Marseille (2 a 0) e Bastia (3 a 1) e despencou para a 9ª colocação. Entretanto, vitórias sobre Toulouse e Bordeaux fizeram o time terminar o ano em alta e na liderança após 22 rodadas, com 39 pontos – dois de vantagem para o vice-líder, o Lille.

O ano seguinte começou com os últimos dois tropeços da temporada: 1 a 1 contra o Auxerre e derrota por 3 a 1 frente o Lyon. Dali em diante, ninguém mais segurou o Nantes. Pelo menos no Campeonato Francês, porque nos torneios paralelos, morreu na praia. Na Copa da França e na Copa da Liga chegou até às semifinais, mas esbarrou em Strasbourg e Lyon, respectivamente. Já na Copa da Uefa, parou no Porto nas oitavas de final.

Correndo lado a lado com o Lille, os Canários deram o bote na 30ª rodada. Um dia antes, os Dogues jogaram em casa e empataram por 2 a 2 com o Bordeaux e deixaram a faca e o queijo na mão para o Nantes tomar a ponta no dia seguinte contra o Metz.  

Antes da festa, um susto. De falta, Meyrieu abriu o placar para os Granadas, logo aos 3 minutos de bola rolando. Só que Monterrubio cobrando pênalti e Marama Vahirua viraram o jogo, deram a vitória e a liderança ao Nantes. Faltando quatro jogos, o time de Denoueix somava 56 pontos contra 54 do Lille.

O tropeço na 30ª rodada foi um duro baque aos Dogues e deu a força necessária para o Nantes apertar o passo rumo ao troféu. Na rodada seguinte, os Canários venceram o Bastia por 1 a 0 e o Lille empatou mais uma, desta vez contra o Auxerre. O Lyon passou a ser o vice-líder e a distância aumentou para quatro pontos.

Com essa distância na liderança, bastou administrar e confirmar o título na penúltima rodada. Jogando em casa contra o Saint-Étienne – que acabaria rebaixado naquela temporada – bastou um gol precoce de Vahirua, aos 9 minutos, para garantir os três pontos e a volta olímpica após 90 minutos.

Aos 47 da etapa final, quando o árbitro Stéphane Bre apitou pela última vez, o Estádio de La Beaujoire viu uma festa poucas vezes tão alegre. Boa parte dos 35 mil torcedores que foram até a casa do Nantes invadiram o gramado para comemorar. Em poucos instantes, não se via mais o verde da grama. Apenas o amarelo das camisas e bandeiras para festejar aquele que seria o último título nacional da história do clube.

O Nantes ainda fecharia aquela campanha com chave de ouro ao golear o Lens na rodada final por 4 a 1. Terminou a temporada com impressionantes 21 vitórias, cinco empates e oito derrotas. Foi o time de melhor ataque, com 58 gols, e teve as melhores campanhas em casa e fora. Um time dominante e que ergueu a taça com todos os méritos possíveis. 

Jogadores chave

– Olivier Monterrubio: Formado no clube, viveu o melhor momento na carreira naquela temporada. Foi o artilheiro do time com 12 gols no último ano nos Canários. Depois, partiu para o Rennes, clube onde jogou por seis temporadas;

– Viorel Moldovan: Demorou para engrenar, mas quando pegou o embalo, ninguém segurou o romeno. Marcou 11 gols e gravou seu nome na história do clube por onde jogou até 2004;

– Marama Vahirua: Jovenzinho na época, com apenas 20 anos, o taitiano virou peça símbolo pelos gols importantes, mas, principalmente, por ter feito o único tento na vitória por 1 a 0 sobre o Saint-Étienne, no jogo do título;

– Éric Carrière: O grande astro da companhia. Dono da camisa 10, era o grande criador do meio-campo. Fez cinco gols, deu dez assistências e foi eleito o craque do campeonato. Chegou até a seleção, mas deixou o clube pela porta dos fundos após uma tumultuada negociação com o Lyon depois de juras de amor eterno ao Nantes;

– Mickaël Landreau: Foram dez temporadas no clube, essa, certamente, a mais marcante. Landreau é figura histórica do Nantes, disputou mais de 330 jogos pelos Canários e esteve em campo em 33 das 34 partidas da campanha; 

Time-base (4-1-3-2): Landreau; Laspalles, Gillet, Fabbri e Armand; Berson; Da Rocha, Carrière e Ziani; Moldovan e Monterrubio

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