Muito mais do que as noites de verão na Ásia, Diouf marcou época no Lens

Quem teve a chance de assistir a Copa do Mundo de 2002 guarda boas memórias das histórias que aquele torneio proporcionou, e uma dessas tantas lembranças vem da grande campanha de Senegal. Novata naquele Mundial, a seleção de Bruno Metsu surpreendeu o planeta ao derrotar a favorita França na estreia e passar de fase numa chave que tinha ainda Dinamarca e Uruguai. A brilhante trajetória teve ponto final nas quartas de final, com uma dolorosa eliminação na prorrogação, diante da Turquia.

Não faltaram destaques para aquele time, como o goleiro Sylva, o volante Cissé e os meias Diop e Fadiga. Mas o grande nome mesmo acabou sendo El Hadji Diouf. Eleito melhor jogador africano em 2001, o atacante de cabelo descolorido desequilibrou, foi um dos grandes jogadores da Copa e cravou seu nome na história dos mundiais aos 21 anos de idade.

Foto: Patrick Hertzog / AFP via Getty Images – OneFootball

O que nem todos reconhecem é que a carreira de Diouf não se resume às semanas em que esteve na Coreia do Sul e no Japão na disputa da Copa do Mundo. Com passagens por Rennes e Sochaux, o senegalês brilhou meses antes da Copa numa histórica campanha do Lens que quase acabou em título francês.

Início no Sochaux

Nascido em Dakar, no ano de 1981, El Hadji Diouf era goleiro na infância até virar atacante anos mais tarde. Uma inspiração? Jules Bocandé. O atacante senegalês já jogava profissionalmente quando Diouf nasceu e foi na transição da infância para a adolescência que ele explodiu para o futebol. Empilhou gols por Metz e Nice e foi artilheiro do Campeonato Francês em 1986, pelos Granadas.

“Eu queria ser Jules Bocandé”, disse Diouf em entrevista ao L’Equipe, antes da Copa Africana de Nações de 2022. Mais do que o futebol, a origem humilde, sem a presença do pai, que só conheceu aos 18 anos, era algo que o fazia se espelhar no atacante para prosperar no futebol.

Tamanha determinação rendeu frutos. Aos 13 anos de idade, se destacou em campeonatos de jovens, apareceu nas seleções de base e aos 14 deixou Senegal. A primeira parada foi no Lens, mas a experiência falhou após apenas 12 dias de treinamento. Quem abriu as portas para Diouf foi o Sochaux.

Nos Lionceaux, o senegalês encontrou o ambiente necessário para progredir, especialmente com o apoio da dupla Francis Gillot e François Blaquart, cabeças pensantes das categorias de base do clube. Numa mesma safra, Diouf surgiu junto de Meriem, Frau, Pedretti e o compatriota Omar Daf.

Diouf começou no time sub-15 do Sochaux, migrou para o sub-17, amadureceu com o time reserva nas divisões amadoras e, em novembro de 1998, com apenas 17 anos, debutou pelos profissionais na vitória sobre o Bastia, por 2 a 1.

Foto: Diouf, de branco, enfrentando o Lens | Olivier Morin / AFP via Getty Images – OneFootball

Até o fim da temporada, Diouf pisou em campo em mais 15 partidas e, logo, arrumou uma transferência para o Stade Rennais, em junho de 1999. A bagatela chegou na casa dos 5,35 milhões de euros.

O começo da fama de Bad Boy

A passagem pela Bretanha, porém, foi breve, infeliz e que começou a marcar na testa de Diouf uma fama que carregou pelo restante da carreira: a de Bad Boy. Escapadas na noite e até um acidente de carro quando dirigia sem carteira foram alguns dos episódios que marcaram a caminhada do senegalês pelo clube rubro-negro.

Dentro de campo, discrição. Diouf disputou 38 partidas, a maioria como titular, e marcou quatro gols na temporada 1999/2000. O mais marcante deles foi na final da extinta Copa Intertoto, diante da Juventus. Após perder na Itália por 2 a 0, o senegalês deu um sopro de esperança aos bretões ao abrir o placar logo aos 19 minutos na partida de volta, no Estádio Route de la Lorient. Por fim, o jogo terminou empatado por 2 a 2 e os bretões ficaram apenas no quase.

Entretanto, passada a primeira parte da temporada, Diouf perdeu ritmo, não convenceu mais, perdeu espaço na equipe e passou a estampar as manchetes fora das quatro linhas. O exigente Paul Le Guen não o quis mais no Rennes e coube ao Lens, de Rolland Courbis, abrir as portas para os anos mais mágicos da carreira do senegalês.

Início animador

A chegada ao Lens foi uma correção de rota de Diouf. Antes de surgir na base do Bastia, ele foi dispensado do time Sangue e Ouro por, supostamente, “não ter nível” para estar ali. Anos depois, a conversa era outra e o senegalês passou a viver os anos mais incríveis de sua carreira.

O começo de Diouf com a camisa do clube do norte francês foi empolgante e, logo na 1ª rodada do Campeonato Francês, ele abriu a contagem de gols. Jogando fora de casa diante do Nantes (o futuro campeão), o Lens venceu por 2 a 0 e o senegalês marcou o segundo gol da partida, aproveitando uma falha grosseira do goleiro adversário.

Antes da virada do primeiro para o segundo turno, Diouf iria às redes mais três vezes, mas o Lens não embalava. Era apenas o 9º colocado, com 24 pontos. No segundo turno, isso não mudou e Courbis, o grande responsável pela contratação do senegalês, foi demitido a menos de dez rodadas para o fim da temporada. Bastou aos nortistas finalizar o campeonato na indigesta 14ª colocação, campanha preenchida por oito gols do senegalês.

Entretanto, nem tudo foi ruim. O bom desempenho na primeira temporada pelo Lens fez Diouf ser enxergado por Peter Schnittger, técnico da seleção senegalesa. Em abril de 2000, ele estreou pela seleção na partida contra Benin, na primeira fase das Eliminatórias para a Copa de 2002.

2002: o ano de ouro

Foto: Squawka / Reprodução

O bom começo de caminhada pelo Lens foi apenas um impulso para o que viria pela frente, agora sob a direção de Joël Muller. A temporada 2001/02 foi marcante e o time Sangue e Ouro não ficou com o título francês por um detalhe. Diouf foi peça chave dessa incrível campanha.

Logo nas primeiras sete rodadas, o Lens conquistou cinco vitórias e dois empates, batendo, inclusive, Lyon, Nantes e Marseille. Diouf foi decisivo com o gol da vitória sobre os Canários e também no 1 a 0 sobre o Metz, ambas as vezes marcando de cabeça.

Na 11ª rodada, o Lens bateu o Montpellier por 2 a 0 e assumiu a liderança do campeonato. Diouf seguiu marcando seus gols e, em janeiro de 2002, já eleito o jogador africano de 2001, decidiu o Derby du Nord contra o Lille. Mesmo jogando como visitante, o time Sangue e Ouro venceu por 1 a 0, com um gol do senegalês na etapa final. O triunfo no derby fez Diouf e companhia abrirem cinco pontos no topo da tabela.

Depois do clássico veio o grande golpe ao time de Joël Muller. Naquele momento, Diouf já era peça fixa da seleção senegalesa, que já era dirigida por Bruno Metsu. O atacante do Lens, inclusive, já tinha até dois triplés em 2001, contra Namíbia e Argélia, pelas Eliminatórias para a Copa do Mundo. Entre janeiro e fevereiro, veio a Copa Africana de Nações e Diouf lá estava, em Mali, para representar Senegal.

Com uma campanha invicta, os senegaleses chegaram até a decisão, com Diouf marcando nas quartas de final e na semifinal, contra a República Democrática do Congo e Nigéria, respectivamente. O atacante do Lens, porém, falhou na final contra Camarões. O jogo terminou empatado sem gols e, na disputa por pênaltis. Diouf mandou para fora a quarta cobrança e abriu caminho para os camaroneses ficarem com o troféu. Ainda assim, Diouf entrou para a seleção do torneio.

Neste período de CAN, o Lens passou a derrapar no Francês. Venceu Sochaux e Monaco, mas perdeu para o Auxerre e empatou com o PSG. Diouf só voltou na 27ª rodada, depois de cinco jogos fora, e logo emplacou gols na vitória por 2 a 1 sobre o Montpellier e no 2 a 2 frente o Metz.

Diouf só voltou a marcar na penúltima rodada, no jogo que poderia ser o do título para o Lens. Na ocasião, a liderança que vinha desde o primeiro turno não era tão larga, estava em apenas um ponto para o Lyon. Entretanto, o time de Diouf recebia naquela rodada o penúltimo colocado Guingamp, enquanto o OL visitava o Bordeaux.

Disposto a decidir, Diouf abriu o placar logo aos 18 minutos, quando pegou a bola na direita, saiu correndo sozinho, invadiu a grande área e finalizou, com desvio, para marcar. Na etapa final, já com o placar em 2 a 0, o camisa 11 recebeu em velocidade, gingou para um lado, gingou para o outro e confundiu o zagueiro que viu do chão o terceiro gol do Lens, que naquele momento era suficiente para deixar nove dedos no troféu, já que o Lyon empatava com o Bordeaux.

O resto, porém, foi história, e das mais tristes para Diouf e companhia. O OL acabou vencendo, com gol de Sonny Anderson, e na decisiva rodada final, o Lens perdeu o confronto direto para o Lyon e teve de se contentar com o vice-campeonato – abrindo a dinastia de sete troféus seguidos dos Gones. Nada que pudesse estragar a temporada de El-Hadji Diouf, autor de dez gols e cinco assistências na campanha, entrando na seleção do campeonato feita pela France Football.

Tamanha badalação não foi capaz de afastar o assédio de grandes clubes e, antes mesmo de Diouf começar a barbarizar nos campos asiáticos durante a Copa do Mundo, o Liverpool cresceu os olhos no senegalês e o contratou logo ao término da temporada 2001/02, numa negociação que girou na casa dos 15 milhões de euros – certamente, o valor seria outro após a Copa.

Foto: Stu Forster/Getty Images – OneFootball

Depois disso, porém, Diouf nunca brilhou como antes. Nos Reds, arranjou briga, simplesmente, com Steven Gerrard e Jamie Carragher, trilhou por Bolton, Sunderland, Blackburn, Rangers, Doncaster, Leeds United, até encerrar a carreira na Malásia. Em praticamente todos os clubes, sofreu do mesmo problema: baladeiro e impulsivo. Não era raro ler notícias de suas suspensões por atrasos em treinos ou até mesmo cusparadas em torcedores.

Nada disso, porém, apaga as duas brilhantes temporadas pelo Lens. Os dribles, os gols e a irreverência com a bola no pé fizeram El-Hadji Diouf escancarar as portas de Senegal para o planeta futebol. E se os britânicos não souberam aproveitar o que ele tinha de melhor, azar deles. Diouf escreveu uma meteórica e bela história na França, fazendo o ouro lensois brilhar mais forte no começo dos anos 2000.

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