Abel Xavier: o trágico protagonista de França x Portugal em 2000

Especialmente dos anos 90 para cá, qualquer duelo entre França x Portugal é rodeado de expectativas. Se hoje é um jogo que coloca frente a frente estrelas do calibre de Kylian Mbappé e Cristiano Ronaldo, em tempos passados foram Zinedine Zidane e Thierry Henry que foram colocados em oposição a Luis Figo e Rui Costa. Na Eurocopa 2000, porém, quis o destino que o excêntrico Abel Xavier ficasse marcado tragicamente como o grande protagonista da eliminatória.

Natural de Moçambique, Xavier tinha 29 anos e já possuía alguma quilometragem no futebol europeu. Surgiu na Estrela da Amadora em 1990 e, três anos depois, já estava defendendo o poderoso Benfica. Campeão português em 1994, decidiu mudar de ares e virou uma espécie de cigano da bola: foi para a Itália defender o Bari, depois partiu para a Espanha vestir a camisa do Real Oviedo, deu um pulo na Holanda para jogar pelo PSV Eindhoven, até chegar aos Everton, na Inglaterra, em 1999.

Neste caminho todo, Abel Xavier não teve presença constante na seleção. Participou da campanha nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994, na qual os portugueses não se classificaram, mas sequer foi lembrado na caminhada para a Eurocopa de 1996. A partir de 1998, com Humberto Coelho como técnico, voltou a ser lembrado e foi um dos convocados para a Euro da Bélgica e Holanda.

De titular a sacado

A estreia portuguesa na Eurocopa foi no dia 12 de junho, em Eindhoven, que já havia sido a casa de Xavier nos anos 90. O duelo diante da Inglaterra foi absolutamente insano. Antes dos 20 minutos, os britânicos venciam por 2 a 0, com gols de Scholes e McManaman. Abel estava envolvido nos dois lances, perdido no posicionamento junto do resto da defesa. Antes do intervalo, Figo e João Pinto deixaram tudo igual, enquanto Nuno Gomes virou o placar na etapa complementar.

Aparentemente, Abel Xavier não agradou na estreia e foi sacado do time titular. Na vitória por 1 a 0 sobre a Romênia, Carlos Secretário foi o titular na lateral direita, enquanto Beto preencheu a posição no 3 a 0 diante da Alemanha. No fim das contas, os gajos passaram de fase na liderança do Grupo A, com 100% de aproveitamento, enquanto a França avançou na 2ª posição do Grupo D, com 6 pontos, atrás apenas da anfitriã Holanda.

A grande semifinal

Abel Xavier voltou a figurar entre os titulares de Portugal apenas na semifinal, na partida diante da França. Antes disso, ele viu do banco de reservas seus companheiros de seleção despacharem a Turquia com uma segura vitória por 2 a 0, em Amsterdam. Os franceses não tiveram a mesma facilidade, mas eliminaram a Espanha, vencendo por 2 a 1, em Bruges, e marcaram o dia 28 de junho como a data da semifinal que entraria para a história do lateral do Everton.

O King Baudouin Stadium, que 15 anos antes foi palco da tragédia de Heysel, recebeu naquele dia 48 mil pessoas, sendo o último jogo daquele campo na Eurocopa, sendo o primeiro de franceses e portugueses. Para o confronto em Bruxelas, Roger Lemerre promoveu duas alterações na formação inicial. Petit, autor do terceiro gol do título mundial em 1998, entrou na vaga de Djorkaeff, enquanto Dugarry deu lugar ao ainda prodígio Nicolas Anelka. Com isso, Lemerre abriu mão do 4-2-3-1 utilizado contra os espanhóis e adotou o 4-3-1-2, com Zidane tendo liberdade para flutuar atrás da dupla Anelka e Henry. Já no lado português, Humberto Coelho, como vinha sendo habitual na competição, mexeu bastante no time. Saiu do 3-5-2 e adotou o 4-2-3-1. Abel Xavier, esquecido durante quase todo o torneio, assumiu a titularidade na lateral direita, talvez a única posição aberta do ótimo time de Portugal.

Imagem do artigo:Abel Xavier: um trágico protagonista de França x Portugal

A França sabia que aquele lado direito português era o ponto mais frágil e, desde o início, forçou ataques por ali. Antes dos 15 minutos, Zidane e Henry tentaram investidas para cima do lateral. Apenas o camisa 12 levou a melhor e arrumou uma falta perto da área, que não terminou em jogada de perigo.

Quem teve mais sorte – e competência – foi a seleção portuguesa, que abriu o placar aos 19 minutos. Uma bola despretensiosa sobrou na entrada da área para Nuno Gomes, que girou e finalizou de pé esquerdo. Barthez, adiantado, apenas viu a bola passar pelo alto e estufar as redes francesas.

O gol português abalou a confiança dos Bleus, que demonstravam muita impaciência e intranquilidade para definir as jogadas. Vítor Baía até foi exigido, mas não fez nenhuma defesa digna de nota. Só que o intervalo veio, a cabeça foi colocada no lugar e os franceses trataram de empatar logo aos 6 minutos do 2º tempo. Uma conexão Anelka e Henry terminou com um gol do camisa 12 numa finalização cruzada, no canto direito de Baía.

De quase herói a vilão

O nosso personagem dessa história começou a ganhar protagonismo na reta final do tempo regulamentar. Se defensivamente Abel Xavier não comprometeu, lá na frente, ele quase entrou para a história como o herói da conquista portuguesa. Quando faltavam menos de cinco minutos para acabar a partida, Figo cobrou uma falta lateral na área, o defensor ganhou no alto e desferiu uma violenta cabeçada na altura da marca penal. Barthez, no puro reflexo, fez uma defesa decisiva com apenas uma das mãos. Foi o ato final da partida, que se dirigiu à prorrogação.

Cansados após um jogo intenso e ainda sob a tensão do ainda vigente Gol de Ouro, portugueses e franceses promoveram um tempo extra muito nervoso e de poucas emoções. Precisamos esperar até o minuto 24 da prorrogação para atingir o ápice de nossa história.

Descansado após entrar entre um tempo e outro na prorrogação, Trezeguet invadiu a grande área pela direita. Ao tentar o drible em Vítor Baía, foi desarmado pelo goleiro. A bola veio limpa para Wiltord, que estava sem ângulo, mas fez o que era possível: chutou em direção do gol. Lá estava Abel Xavier. Ou melhor dizendo, a mão esquerda do defensor português. A bola bate nele e sai pela linha de fundo. O árbitro Günter Benkö demonstrou certa dúvida, demorou algum tempo, mas ouviu o auxiliar Igor Sramka e assinalou o pênalti, para revolta dos portugueses. Figo, por exemplo, deu as costas ao lance e tirou a camisa, como se o jogo tivesse acabado ali.

Sem ligar para isso, Zidane cobrou, deslocou Vítor Baía, balançou as redes e levou a França para a final. Na decisão, veio o troféu na vitória sobre a Itália, também na prorrogação.

O que se viu dali em diante foi uma sucessão de episódios que mostram como os portugueses não digeriram bem aquela derrota. Nuno Gomes, por exemplo, empurrou o árbitro e foi expulso. Paulo Bento também tentou agredir o apitador. A UEFA não se calou diante da situação e distribuiu punições: Nuno pegou um gancho de oito meses, Bento de seis, enquanto Xavier foi suspenso por nove.

Com certeza, a ‘punição’ do lateral foi maior. Até hoje, ele é lembrado por esse lance, que é resgatado toda vez que portugueses e franceses se enfrentam. E o ex-jogador segue convicto de que aquele notório toque de mão não caracterizou pênalti. “Eu sou o suspeito principal. Quando digo que não foi intencional, as pessoas não acreditam”, disse ao Canal 11, em 2020. “O árbitro não vê o lance porque está na área de pênalti, não teve campo de visão. O Trezeguet tapa o ângulo de visão do bandeirinha, que também não vê. O pênalti só é marcado pela pressão dos jogadores franceses”, completou.

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